Exercício de memória para saber de cor
vó rosa sempre chama de artista o protagonista dos filmes, o ator principal. ela diz “nesse filme fulano não vai morrer, porque ele é o artista”. o artista é o herói. herói é como ironicamente a gente chama os polícia também. farda cinza. um tio meu já quis ser polícia. não conseguiu. quase. nada. vó dizia pr’eu cortar o cabelo bem ralinho, tipo o dos militar. não cortei assim nunca mais, mas eu gostava do disfarce. também não uso mais boné. acho que usava era pra esconder, talvez. esse, quem não gostava tanto era vô esmeraldo. mas eu mesmo ainda gosto. o motivo de não usar é outro, vô. vó rosa diz que eu tinha que ter o memo corte do vô, ela diz “meu negão tinha o cabelo comportado, baixinho”. eu acho que ela tá só tentando me proteger, se pá, que nem o vô. em algum lugar, pra ela, parece um jeito de ser um herói que nem nos filmes. ou, pelo menos, não ser um vilão. mas nunca tivemos ninguém cinza por aqui. também, ainda, ninguém nunca foi artista. o que a gente queria ser?
não é pra e̸̞̺͑͠ĺ̵̡͇̼͆͠e̴̡͚̦͐͐̕s̸̢͕̪͛̿̈́ que falo
os ouvidos d̸͍͚̒̓͝e̵̫̝͐̕͠l̵̢͇̦͛́̕e̵̦̫̙̓͌̓s̴͎͇͊͆̕ não me dizem
respeito
você e teu brilhopaco, reluz no breu
de tons escuros todos
memo os claros
isso e̸̞̺͑͠ĺ̵̡͇̼͆͠e̴̡͚̦͐͐̕s̸̢͕̪͛̿̈́ não enxergam
e o muro cinza é bem diferente
daquele verde de antes,
da cor do senhor, da cor da terra
isso e̸̞̺͑͠ĺ̵̡͇̼͆͠e̴̡͚̦͐͐̕s̸̢͕̪͛̿̈́ não sabem
desviesquivescapa
incessantes passos
por onde passo, passamos
cada palmo desses chãos
o vulto do vento quase escasso
planta-constrói-imagina
no descanso do bote, à espera, há espera
tua luminescência esmeraldina
trago nos olhos
dois enfeitos gema bruta na cara
tenho desejado sonhar com cores
e com os dedos encrespo os cabelos meus
me deixo crescer os cabelos teus
sua epiderme pedra, cor pele
tem a maciez de um começo de noite
ali perto da fogueira, passageira
onde se assa
o milho que muda de cor
assim como o dia que ali também
passa
voando numa nave maternal doirada muito veloz feita de um metal miraculoso com janelas de cristal e forro de veludo,
rosa
Diego Crux. quase-artista nascido no bairro de Parada de Taipas, na periferia de São Paulo. Em seu trabalho, pesquisa convocações íntimas e pessoais, vivências coletivas, representação, identidade e os limites, incógnitas e contradições nesses cruzos. Pensa a elaboração de imaginários e representações, tensionando e revisando o contexto hegemônico. Usa variados meios em seus processos, como apropriação, fotografia, vídeo, design, samples visuais, palavra, etc.
Participou de exposições e mostras como Kwenda Mbele Siyo Kufika, Centro Cultural SESI Heitor Stockler de França (Curitiba, 2020), Nós Levantamos, Colabirinto (São Paulo, 2019), the wrong biennale, BIG or BiGGGEST, (Copenhagen, Dinamarca, 2019), CHALE WOTE 2019 (Accra, Gana, 2019). Fez parte do Núcleo de Artes Visuais SESI coordenado por Ana Rocha e Beatriz Lemos, Programa de Orientação de Projetos em Artes Visuais CPF-SESC com orientação de Ana Paula Cohen e Gustavo Torrezan e foi artista residente no Ciclo III Pivô Pesquisa 2020 com acompanhamento de Thiago de Paula Souza. Artista residente no MAM Rio 2021.