A Dívida Impagável

Denise Ferreira da Silva

 
 
 
 

A Dívida Impagável, de Denise Ferreira da Silva, é uma publicação organizada pela Oficina de Imaginação Política e Living Commons, com o apoio da Casa do Povo. O lançamento aconteceu em dezembro de 2019

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Por onde começar? Desde onde começar a tarefa de expor, capturar e dissolver, de apresentar o que excede e desafia o pensamento? A preocupação que tece o fio que liga os ensaios aqui coletados, de uma certa forma, sinaliza a im/possibilidade indicada por estas perguntas. Na verdade, é possível dizer que esta compartilha da mesma incompreensibilidade e improbabilidade que tento capturar na imagem poética negra feminista que dá nome a esta coletânea. Pois, como uma imagem anti-dialética, A Divida Impagável não faz mais do que registrar, ao tentar interromper, o desdobrar da lógica perversa que oclui a maneira como, desde o fim do século XIX, a racialidade, opera como um arsenal ético em conjunto – por dentro, ao lado, e sempre-já – a/diante das arquiteturas jurídico-econômicas que constituem o par Estado-Capital.

Esta lógica perversa, a qual chamo de dialética racial, tem me ocupado por mais de trinta anos. Desde o início, quando era estudante no programa de Mestrado em Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro e trabalhava como pesquisadora no Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA), sob a direção de Carlos Hasenbalg, a minha atenção se voltou à representação moderna como momento significativo da subjugação racial. Já o título da dissertação de mestrado que defendi em 1991, desenvolvida sob a orientação de Yvonne Maggie, O Negro na Modernidade: Cor e Exclusão Simbólica na Novela das Oito, indica uma apreensão transversal dos conteúdos de um treinamento acadêmico, no IFCS e no CEAA, que combinava Estudos Afro-Brasileiros (Yvonne Maggie) e Sociologia das Relações Raciais (Carlos Hasenbalg). Em vez de desenvolver um estudo de audiência ou de texto que explicaria as ideias sobre a negridade que justificariam o fato de as novelas da época empregarem um número insignificante de atores negros e a maioria nos papéis típicos de empregada doméstica ou bandido. Eu reverti o movimento analítico e decidi examinar a imagem da sociedade brasileira expressa pela forma como as poucas tramas envolvendo personagens negros foram resolvidas. O principal argumento da dissertação de que a representação de negros nas novelas das oito da TV Globo, que foram ao ar entre 1979 e 1988, expressava um projeto nacional de modernidade vista como contingente no desaparecimento do negro, apesar da (então ainda) celebrada democracia racial. Entre outros argumentos, o Negro na Modernidade já apresentava uma versão da ideia que foi desenvolvida na minha tese de doutorado (publicada com o título de Toward a Global Idea of Race, em 2007), a de que, além da lógica da exclusão – a explicação sociológica da subjugação racial –, há uma lógica da obliteração que permeia as ferramentas do conhecimento racial. Isto, precisamente porque sem ela, a construção do sujeito moderno como uma coisa autodeterminada não se sustentaria, principalmente após a articulação hegeliana da razão transcendental como Espírito. Não há lugar para sumarizar os argumentos desenvolvidos nestes dois textos aqui. Só os menciono porque a mim surpreende o fato de que a mesma preocupação anima textos tão diferentes, e que respondem a circunstâncias aparentemente diferentes, como a minha dissertação de mestrado (Rio de Janeiro nos anos 80), a tesede doutorado (Estados Unidos, nos anos 90), e os experimentos poéticos (escritos nos últimos 5 anos) que compõem este volume.

Ficha técnica:

A Dívida Impagável
Denise Ferreira da Silva

Edição: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019
Tradução: Amilcar Packer e Pedro Daher
Revisão: Amilcar Packer e Pedro Daher
Projeto gráfico: Amilcar Packer e Diego Ribeiro

 
 
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A filósofa e artista visual Denise Ferreira da Silva, nasceu no Morro do Pasmado (Botafogo), cresceu na Vila Aliança (Bangu), Rio de Janeiro. Tendo morado e ensinado em universidades nos Estados Unidos, Austrália, Inglaterra, atualmente ela vive e trabalha nos territórios da nação indígena Musqueam e é Professora Titular e Diretora do Social Justice Institute da Universidade de British Columbia, em Vancouver, Canadá.